Série especial - Dogmas Marianos: Maria como Co-redentora e Medianeira de todas as Graças
- Antonio Carlos Faustino

- 18 de ago.
- 8 min de leitura

Quando falamos sobre a fé cristã nas Américas, rapidamente encontramos o nome de Maria em diversas manifestações religiosas, culturais e espirituais. Ela inspira preces silenciosas, procissões lotadas, festividades regionais, e dá novo sentido à palavra “mãe” na experiência de milhares de pessoas. Mas o que significa afirmar Maria como Co-redentora? De onde vem essa devoção? E como ela está presente no cotidiano dos fiéis? Essas perguntas moldam parte fundamental do olhar do Bom dia, América! sobre a cultura, a religião e a história do continente.
O início da presença de Maria
A figura de Maria surge no Novo Testamento, com destaque em episódios-chave da vida de Jesus. Ela está lá na anunciação, acolhendo a missão de ser “a Mãe do Salvador”, e segue firme ao lado do filho, até o Calvário. Sempre com gestos de escuta, entrega e confiança, torna-se referência para homens e mulheres que buscam compreender a ação de Deus em meio às contradições da vida. Se há algo especial sobre ela, é porque Maria se deixa conduzir, não assume o palco, mas abraça a condição de serva.

Se um cristão levanta os olhos para a história, percebe que Maria, mesmo quando pouco citada nos evangelhos, tornou-se a mulher mais evocada em orações, histórias e tradições populares. Ela se destaca pela simplicidade, mas também por um papel, digamos, misterioso: o de Co-redentora.
O que quer dizer Co-redentora?
Chamar Maria de Co-redentora é reconhecer sua participação singular (mas subordinada) ao lado de Jesus na missão redentora. Muitas vezes, esse título confunde. Não significa que Maria “salva” por si mesma, nem que seu sacrifício seja igual ao de Cristo, mas, numa lógica quase familiar, ela coopera de forma única, oferecendo ao mundo aquele que é o próprio Redentor.
Maria oferece Jesus ao mundo – e oferece o mundo a Jesus.
Aqui, no Bom dia, América!, sempre debatemos como os símbolos ganham força pelas pessoas que os sustentam. Maria, ao aceitar o chamado, faz de sua vida um “sim” continuado – um “faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lucas 1:38) – expressão de uma humanidade aberta ao mistério do amor divino. É neste ponto que falamos de Co-redentora: ela colabora, permite-se ser instrumento, une dor, alegria e maternidade ao projeto da salvação.
Fundamentos bíblicos do papel de Maria
A Bíblia não traz a palavra “Co-redentora” em si, mas apresenta o caminho pelo qual o dogma se construiu na tradição cristã. Em Lucas 1:28, o anjo saúda Maria: “Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo”. Neste momento, a ideia de graça plena aparece vinculada a uma missão extraordinária.
A anunciação (Lucas 1:26-38): Maria aceita livremente colaborar.
Casamento em Caná (João 2:1-12): Ao interceder pelo casal, Maria faz Jesus antecipar o milagre, exemplo claro de intercessão.
Ao pé da cruz (João 19:25-27): No ápice da dor, ela está de pé. Ali, Jesus entrega Maria ao discípulo amado, indicando uma maternidade universal – ela passa a ser, em certo sentido, mãe da Igreja.
Essas passagens ajudam a entender por que muitos cristãos veem nela uma mediadora entre Deus e a humanidade. Se Jesus é o mediador supremo, Maria é a que intercede, a que suplica – sempre por amor à missão do Filho.
O desenvolvimento da devoção mariana na história
O apreço por Maria não surge do nada nem de um único evento. Desde cedo, comunidades cristãs viam nela o modelo de discípula e mãe. Para muitos estudiosos, uma antiga oração encontrada em textos egípcios anteriores ao Concílio de Niceia (documentos egípcios anteriores ao Concílio de Niceia) já invocava Maria como Mãe de Deus. Isso mostra como sua importância não é apenas uma construção tardia, mas se apoia em raízes profundas da tradição cristã.
Ao longo dos séculos, surgiram práticas como o Rosário, ladainhas, novenas, festas marianas e representações artísticas que deram rosto e cor à fé dos povos. Os santuários consagrados a Maria multiplicaram-se por toda parte, sobretudo nas Américas, onde a imagem da mãe protetora encontra eco na cultura popular.
A história social das Américas, tão marcada por desafios, migrações e esperança em dias melhores, parece encontrar em Maria um espelho. Quando comunidades buscam consolo ou força, invocar Maria quase sempre é a primeira reação.

Devoção e intercessão: experiências das Américas
Ao olhar para a religiosidade popular no continente americano, percebemos que Maria se mostra presente em incontáveis devoções. Em junho, por exemplo, a comunidade acadêmica da PUC Goiás celebrou a chegada da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima, num encontro que impactou milhares de pessoas. A missa e a procissão confirmaram o poder da intercessão mariana e o valor do sentimento coletivo de fé (destacando a importância da intercessão mariana e a devoção popular à Virgem Maria).
Podemos nos perguntar: o que leva tantas pessoas, de culturas e contextos diferentes, a alimentar devoção tão forte? A resposta, talvez, esteja na própria experiência humana de fragilidade, esperança e busca por sentido. A imagem de Maria, enquanto mãe que sofre mas confia, aproxima a transcendência à vida do povo.
Práticas populares de devoção a Maria
No Bom dia, América!, acompanhamos festividades, celebrações e práticas cotidianas relacionadas a Maria. Destacamos algumas manifestações muito comuns e queridas pelos fiéis:
O Rosário: Uma sequência de orações que medita os principais episódios da vida de Jesus, vistos pelo olhar maternal de Maria.
Novenas: Orações feitas durante nove dias, pedindo graças ou agradecendo por intercessões.
Procissões: Caminhadas públicas com orações e cânticos, normalmente com a imagem de Maria.
Ladainhas: Cânticos que exaltam as virtudes e títulos de Maria.
Consagrações: Entrega pessoal ou comunitária à proteção e companhia de Maria.
Todas essas práticas têm por objetivo não substituir, mas unir-se com a vida de Jesus, sob o olhar de uma mãe sempre disposta a ouvir e interceder.
“Rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte.”
Esta prece, presente na popular Ave-Maria, resume bem o espírito de confiança que a devoção mariana desperta.
Múltiplos olhares: marianismo em diferentes tradições cristãs
Nem todos os cristãos veem Maria da mesma forma. Enquanto parte dos fiéis católicos a chama de Co-redentora, para muitos protestantes, Maria é respeitada como mãe de Jesus, mas sem o caráter intercessor. Outras denominações valorizam sua fé, humildade e exemplo, mas preferem não atribuir títulos além dos bíblicos. Ortodoxos reconhecem-na como “Theotokos” (Mãe de Deus), acentuando o mistério da encarnação.
Essa variedade de olhares ajuda a perceber como Maria é um símbolo aberto, capaz de gerar diálogo e inspiração mesmo em meio às diferenças. Como lembra Frei Clodovis Boff, há uma dimensão social e libertadora na devoção mariana, ainda pouco explorada, mas muito atual. Maria representa, ao mesmo tempo, o consolo dos pobres e o apelo à solidariedade.
Francisco de Assis, ao ver nos pobres a imagem de Cristo e de Maria, inaugurou uma espiritualidade nova, baseada na solidariedade e na simplicidade (franciscanos e a devoção a Maria). E, ainda hoje, Maria mantém o apelo à justiça e ao acolhimento dos mais excluídos.
Entre céu e terra: Maria mediadora e companheira
A imagem de Maria como ponte entre céu e terra aparece em muitas narrativas e orações. Ela está próxima de Deus e, ao mesmo tempo, das dores humanas. Os católicos tradicionais afirmam: quanto mais amamos Maria, mais nos aproximamos de seu Filho. Não se trata de criar barreiras, mas de trilhar o mesmo caminho de confiança e abandono.

Em diferentes culturas das Américas, é comum avistar oratórios caseiros ou altares com velas acesas e uma imagem de Maria. Uma criança, de joelhos, aprende com a avó a rezar. Uma mãe, silenciosa, coloca as preocupações diante da Virgem. Todos esses gestos, silenciosos ou públicos, revelam uma busca por sentido e proteção.
Há quem resuma assim:
Maria não afasta de Deus. Ela aproxima.
Maria e os desafios da sociedade contemporânea
Nos tempos atuais, marcados por transformações, dúvidas e crises sociais, Maria reaparece como voz e presença ativa. A reflexão sobre Maria na história mostra que ela não é figura isolada das lutas do povo, mas participa da caminhada coletiva.
A devoção mariana, lida à luz das necessidades do nosso tempo, convida a vivências de compaixão e solidariedade. O Magnificat (Lucas 1:46-55), oração da própria Maria, exalta Deus que “derruba os poderosos e exalta os humildes”. Muitos movimentos sociais encontram aí inspiração para unir fé e compromisso prático.

O impacto da devoção mariana na vida cotidiana
Talvez a maior força do título de Co-redentora esteja no dia a dia. No constante aprendizado de confiar, no esforço de ouvir o outro, perdoar, acolher. Maria, como mãe, ensina que se pode servir sem se impor, amar sem exigir nada em troca.
Na rotina de rezar uma Ave-Maria ao acordar, renasce a esperança.
Na escolha de ajudar um desconhecido, sente-se o eco do sim de Maria.
No cuidado com os filhos, as lembranças da mãe de Jesus orientam e acalmam.
O Bom dia, América! vê nesse movimento cotidiano um traço do cristianismo americano, onde a fé não se limita ao sagrado, mas transborda para o cuidado concreto com o próximo.
Maria é mãe de todos, inclusive daqueles que não a buscam.
Maria, Co-redentora: desafio e convite
Reconhecer Maria como Co-redentora não é apenas um exercício teológico. É também um chamado à ação, à abertura ao que é novo, e ao cultivo de uma espiritualidade que abraça tanto a oração quanto o compromisso social. Ela mostra o caminho da entrega, da suavidade que não exclui a coragem.
A devoção mariana se reinventa com o tempo, manteve-se viva e capaz de inspirar pessoas dos quatro cantos das Américas a buscar sentido, a encontrar consolo, a lutar por justiça. Talvez esse seja o segredo: Maria participa silenciosamente das lutas e esperanças do povo, sem jamais ocupar o lugar de Cristo, mas assumindo com humildade o que lhe cabe – colaborar na obra de redenção.
No Bom dia, América!, acreditamos que todo aquele que se aproxima de Maria, com simplicidade e verdade, redescobre parte da própria humanidade.
Conclusão
A presença de Maria como Co-redentora não fecha um ciclo, mas abre janelas para mais perguntas, mais diálogo e mais fé. Sua história se mistura à de cada pessoa que sofre, reza ou espera uma resposta. No café da manhã das famílias, nas procissões lotadas, no silêncio de uma prece diante do altar, ela está lá. Maria acolhe e caminha conosco.
Se você deseja aprofundar seu entendimento sobre a fé, cultura e história das Américas, continue acompanhando o Bom dia, América!. Cadastre-se em nossa newsletter e faça parte desse espaço de reflexão, diálogo e partilha de experiências sobre temas que realmente importam para a nossa gente.
Perguntas frequentes sobre Maria Co-redentora
O que significa Maria Co-redentora?
O título “Co-redentora” para Maria indica uma participação única e especial dela na obra da salvação, ao lado de Jesus. Não significa ser igual a Cristo ou ter o mesmo poder redentor. Ela cooperou, livremente, aceitando ser mãe do Salvador, acompanhou o sofrimento do Filho e oferece sua intercessão pela humanidade. O termo expressa reconhecimento à colaboração de Maria, mas sem confundir seu papel com o de Jesus.
Por que Maria é chamada Co-redentora?
Maria é chamada Co-redentora porque colaborou de maneira singular com o projeto de Deus, dando seu consentimento ao anúncio do anjo e permanecendo fiel até a cruz. Sua maternidade, sofrimento e disposição em servir são vistos como uma forma de participação no mistério da redenção, sempre subordinada e em união ao sacrifício de Cristo.
Qual a importância da devoção a Maria?
A devoção a Maria fortalece a vida espiritual dos fiéis, inspira confiança, ensina humildade e abre caminhos para uma relação mais próxima com Jesus. Ela é vista como intercessora e modelo de fé, coragem e serviço. Nas Américas, sua presença influencia costumes, festas, práticas de oração e movimentos sociais que buscam justiça e solidariedade.
Como praticar devoção à Maria Co-redentora?
Praticar devoção a Maria Co-redentora pode ocorrer de várias maneiras: rezando o Rosário, participando de novenas, frequentando procissões, preparando um altar caseiro com sua imagem, cantando ladainhas ou mesmo rezando uma simples Ave-Maria diariamente. A devoção também se expressa por gestos concretos de bondade, justiça e disponibilidade para ajudar o próximo, seguindo o exemplo da mãe de Jesus.
A Igreja Católica reconhece Maria como Co-redentora?
A Igreja Católica reconhece o papel único de Maria na salvação, mas o título “Co-redentora” ainda não é doutrina oficial. O termo é usado por teólogos e devotos que desejam retratar essa colaboração especial, mas nem todos os fiéis ou líderes o adotam formalmente. A doutrina mariana enfatiza que toda colaboração de Maria está subordinada e depende unicamente de Cristo, o único Redentor.
Referências
CONCÍLIO VATICANO II. Lumen Gentium. Roma: Tipografia Poliglota Vaticana, 1964.
FRANCISCO, Papa. Homilia em Santa Maria Maior. Vaticano, 12 dez. 2019.
JOÃO PAULO II, Papa. Audiência Geral. Vaticano, 31 jan. 1985.




Comentários