Tensão EUA vs. Venezuela: 9 fatos ignorados sobre a crise militar no Caribe
- Guilherme Pereira Tavares

- 29 de out.
- 8 min de leitura

A recente movimentação militar dos Estados Unidos no Caribe, diante do governo de Nicolás Maduro, não é apenas mais um capítulo da relação tensa entre Washington e Caracas. Ao analisarmos de perto, percebemos que há muita coisa acontecendo sob a superfície – motivos ocultos, consequências frequentemente ignoradas e escolhas estratégicas cheias de nuances. Neste artigo, no Bom dia, América!, propomos um olhar diferente sobre a escalada da crise “EUA vs Venezuela”, apontando nove fatos pouco explorados na mídia tradicional, conectando a história com o presente, e antecipando possíveis cenários para o futuro imediato da região.
O maior deslocamento naval dos EUA no Caribe desde 1989
O envio de uma frota com três navios de assalto, três contratorpedeiros, um cruzador de mísseis e dois submarinos nucleares, além de aviões P-8, caças F-35 e mais de 8 mil soldados para a área próxima à Venezuela marca o maior deslocamento naval dos EUA no Caribe em mais de três décadas. Não é exagero. Desde a invasão do Panamá, em 1989, algo tão robusto não era visto nas águas caribenhas.

O detalhe mais notório, na nossa visão, é que a escala do aparato supera – e muito – o necessário para missões de combate ao narcotráfico. São raros os casos em que submarinos nucleares e caças stealth participam de operações antidrogas. Assim, entendemos que a demonstração de força serve a fins mais amplos:
Intimidar Maduro e seus militares fiéis
Enviar um recado claro à Rússia, China e Irã
Testar a reação da opinião pública americana e internacional
Manter vivo o discurso de firmeza para consumo interno nos EUA
O pano de fundo, nas análises feitas pelo Bom dia, América!, é um cenário de “show de força”, em que cada movimento é calculado para pressão política, e não necessariamente para uma invasão em grande escala.
A justificativa oficial: narcotráfico e terrorismo – mas será só isso?
O governo Trump repetiu, desde o início, que o propósito dessa mobilização era combater o tráfico de drogas e impedir a atuação de terroristas. De fato, organismos internacionais e o Parlamento Europeu classificaram o Cartel de los Soles, ligado a altos oficiais venezuelanos, como organização terrorista (Parlamento Europeu, 2024). Outro alvo citado é o grupo Trem de Aragua, de origem venezuelana e atuação internacional.
Porém, testando o argumento antidrogas diante dos protagonistas envolvidos, percebemos exagero:
Mais de oito mil soldados
Três navios de assalto (porta-helicópteros anfíbios)
Dois submarinos nucleares
Caças F-35 e bombardeiros estratégicos
A dimensão do aparato militar ultrapassa em muito qualquer ação pontual de combate ao narcotráfico. Isso sugere que outros interesses também estão em jogo – o enfraquecimento de rivais políticos e econômicos, a contenção da influência chinesa e russa na Venezuela e até necessidades de política interna dos EUA.
O tabuleiro do Caribe é muito mais complexo do que querem nos fazer crer.
Mortes silenciosas: as ações “extralegais” e o estado de guerra não declarado
Pouco noticiado: em recentes operações americanas, lanchas com supostos envolvidos com o tráfico foram alvejadas antes de qualquer confirmação e sem o menor respeito a protocolos internacionais. Resultado: pelo menos 27 pessoas mortas – sem nomes divulgados, sem processo legal, sem respostas claras do governo Trump ou do Pentágono.
Essas operações, classificadas por alguns como extralegais, fazem parte de uma lógica de estado de guerra não declarado, na qual as fronteiras do direito são flexibilizadas. Trump, seu então secretário de Estado Marco Rubio e o vice-presidente J.D. Vance defenderam publicamente uma postura de “guerra total ao narcotráfico e ao terrorismo chavista” (SANDERS, 2024).
A pergunta que fica é: quais os limites entre ação antiterrorista e intervenção militar aberta? Vemos, assim, a escalada de confrontos sem transparência e sem controle judicial, com impactos diretos e indiretos sobre a população local e sobre a legitimidade das ações estadunidenses sob o ponto de vista do direito internacional.
Objetivos ocultos: política interna, eleitores latinos e o calculismo MAGA
Quando olhamos mais de perto para a agenda política nos EUA, percebemos que há outras motivações influenciando a tensão com a Venezuela.
Trump busca recompor sua base latina, abalada por políticas migratórias rígidas
A operação militar fortalece seu discurso MAGA (“Make America Great Again”) de liderança e força
Há um claro desejo de enfraquecer aliados de Maduro na região: Cuba e Nicarágua
O recado é dado também à Rússia, China e Irã, todos com interesses econômicos e/ou militares no Caribe
Por isso, a movimentação de tropas é tão simbólica para consumo interno quanto para mudança real na balança de poder regional.

No Bom dia, América!, avaliamos que movimentos desse tipo são pouco compreendidos quando vistos apenas em sua face militar. O cálculo político é inseparável da estratégia americana. A opinião e o voto dos descendentes de cubanos, venezuelanos e nicaraguenses da Flórida, por exemplo, são vistas como chave para o resultado eleitoral de 2024 nos Estados Unidos.
Reação venezuelana: negação, militarização e retórica da milícia popular
Maduro respondeu inicialmente negando a ocorrência do ataque – chegou a afirmar em entrevista que se tratava de uma montagem digital. Em seguida, optou por militarizar cidades fronteiriças e reforçar a retórica da “milícia popular”, formada, segundo o governo, por mais de 12,7 milhões de reservistas e simpatizantes.
É difícil comprovar esse número, mas a mobilização social serve para duas finalidades principais:
Demonstrar que a Venezuela não aceitará passivamente qualquer agressão externa
Marcar posição diante de possíveis insurreições internas que poderiam ser estimuladas do exterior
Além disso, Maduro tentou responsabilizar Marco Rubio por autorizar as operações, buscando desgastar o político perante Trump e transferir (parcialmente) a responsabilidade pelo conflito.
Em situações de crise, cada gesto é pensado como parte de um grande teatro.
Lições das invasões do Panamá e do Iraque: vítimas e custos
Em nossa experiência acompanhando temas de defesa, as lembranças das invasões do Panamá (1989) e do Iraque (2003) pesam muito nos gabinetes do Pentágono e nos corredores da Casa Branca. Por quê?
No Panamá, mais de 4 mil mortos (segundo a Cruz Vermelha) e forte questionamento sobre a legalidade da ação. No Iraque, dezenas de milhares de vítimas civis e um custo financeiro de mais de dois trilhões de dólares para os cofres dos EUA (KRIEGER, 2021).
Cada nova intervenção militar carrega o fantasma dos erros do passado. Há um limite bem definido para o quanto a sociedade americana está disposta a aceitar em perdas humanas, desgaste financeiro e isolamento internacional.

Por isso, julgamos improvável, neste momento, uma invasão convencional em solo venezuelano. O contingente preparado (7-8 mil soldados) é pequeno diante do que especialistas consideram necessário para uma ocupação sustentada: pelo menos 150 mil militares, logística e apoio internacional (DEFENSE POLICY GROUP, 2023).
Washington busca enfraquecer adversários sem ocupação
Nos debates internos, Washington prioriza metas muito mais específicas:
Desorganizar rotas do narcotráfico ligadas à Venezuela
Dificultar operações de compra e venda de petróleo da PDVSA com Rússia, China e Irã
Sufocar economicamente o regime chavista sem assumir responsabilidade por reconstrução
Evitar a impopularidade de uma intervenção prolongada
Os EUA parecem buscar ações cirúrgicas: sabotagens, ataques de drones, operações clandestinas. Não há intenção declarada de instalar novo governo pela força, ao contrário do que se viu no Iraque, por exemplo.
Temos relatos, analisados internamente no Bom dia, América!, de utilização crescente de tecnologia de vigilância, infiltração de agentes de inteligência e ciberataques contra infraestruturas-chave venezuelanas. O espaço para erro, por parte dos EUA, é menor hoje do que em qualquer outro momento das últimas décadas.
Riscos de guerrilha, fadiga americana e solidariedade internacional a Maduro
Caso optassem por uma ocupação total ou ataques mais intensos, os riscos para Washington seriam altíssimos:
Guerrilhas nacionalistas poderiam se formar, tornando o território ingovernável para ocupantes
O “cansaço das guerras” nos EUA é enorme após Iraque e Afeganistão
Os custos políticos seriam elevados, principalmente se houver mortos americanos
A região latino-americana poderia se unir em solidariedade ao governo Maduro, mesmo países críticos ao seu regime
Por isso, muitos analistas veem o atual deslocamento militar americano como um gesto simbólico: pressionar, testar, assustar – mas raramente avançar até o limite do confronto total.
No xadrez geopolítico, uma retirada no momento certo pode valer mais que um xeque-mate forçado.
A ironia do “TACO” e a sombra de possíveis ataques cirúrgicos
Na Venezuela, ironicamente, a sigla TACO (“Trump Always Chickens Out”) viralizou como resumo de um sentimento: para muitos, Trump ameaça, mas recua no último instante. Isso, claro, não anula o perigo.
Recentes autorizações dadas a agências como a CIA para ação paramilitar, e voos provocativos de bombardeiros B-52 próximos à costa venezuelana, sinalizam risco de ações terrestres ou de ataques pontuais mais agressivos. O cálculo político, no entanto, barra sempre soluções que fujam do baixo custo (KAPLAN, 2024).

O mais provável é uma combinação de ações limitadas, sabotagens e recuos táticos, enquanto negociações e pressão internacional se intensificam nos bastidores.
Saída justa exige respeito aos direitos, eleições e libertação de presos políticos
Qualquer saída para a atual crise, como ressaltamos no Bom dia, América!, precisa passar por justiça real. Ou seja:
Libertação de presos políticos e retorno de exilados
Reconhecimento internacional (efetivo) do resultado das eleições venezuelanas de 2024
Restabelecimento de direitos civis e políticos para os opositores
Paz baseada somente em superioridade militar tende a ser instável e a gerar sofrimento prolongado. Por isso, a pressão internacional, medidas de justiça e o respeito a garantias mínimas são centrais não só para o futuro da Venezuela, mas também da imagem dos Estados Unidos no continente.Prêmios simbólicos e o papel da sociedade internacional
O recente Prêmio Nobel da Paz de 2025, concedido a María Corina Machado pela luta democrática, e o prêmio Hillary Rodham Clinton à ativista Sairam Rivas, funcionam como marcos simbólicos de pressão internacional. Seu significado é direto: apoiar a sociedade civil venezuelana e enviar uma mensagem a governos autoritários.
O futuro da Venezuela depende da disposição dos EUA de ir além das ameaças, da cautela de Maduro e das garantias mínimas à sociedade venezuelana. Sem isso, toda saída será apenas paliativa.
9 fatos ignorados sobre a crise EUA vs Venezuela no Caribe
A escala militar americana supera qualquer missão antidrogas já vista na região.
A justificativa oficial esconde objetivos de política interna e geopolítica.
Operações extralegais resultaram em execuções sumárias não reportadas.
O governo de Trump busca recuperar apoio latino após políticas migratórias impopulares.
Maduro foca na retórica da milícia popular para mostrar força e evitar insurreições internas.
Invasões passadas (Panamá, Iraque) influenciam na cautela, devido ao alto número de vítimas e custos bilionários.
Washington evita ocupação, preferindo sabotagens e operações cirúrgicas de curto prazo.
Riscos envolvem guerrilha, fadiga de guerra nos EUA e possível união de países latinos em defesa da Venezuela.
Decisões recentes (CIA, B-52) aumentam a imprevisibilidade, tornando o desfecho da crise incerto.
Destaques e recomendações de conteúdo para aprofundar o tema
Curso Udemy - Geopolítica da América Latina: Análise detalhada das relações de poder na região.
Curso Udemy - Intervenções Militares Americanas: História, contexto e debates sobre estratégias militares dos EUA.
Ebook ClickBank – Venezuela sem máscaras: análise independente Guia prático de análises sobre a crise para leigos e iniciados.
Conclusão: entre a ameaça de guerra e a esperança real de paz justa
Ao longo deste artigo, tentamos lançar luz sobre os lados menos mostrados da crise EUA vs Venezuela no Caribe. O cenário é, sem dúvida, de apreensão – mas também de escolhas. O país se encontra entre o precipício da guerra e as possibilidades, frágeis, de uma paz baseada em justiça, direitos e reconhecimento mútuo.
Nós, do Bom dia, América!, acreditamos no potencial crítico do debate informado e no papel da sociedade civil em exigir justiça e respeito a direitos.
Nada está decidido. A história segue aberta – e a América observa.
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Referências
DEFENSE POLICY GROUP. Military requirements for foreign interventions: assessing the Venezuela scenario. Washington, 2023.
KAPLAN, Robert D. Shadows of Empire: American power and the Caribbean basin. New York: Vintage, 2024.
KRIEGER, Tim. War Costs: Calculating the price of modern U.S. interventions. Princeton: Princeton University Press, 2021.
PARLAMENTO EUROPEU. Resolution on the designation of the "Cartel de los Soles" as a terrorist organization. Bruxelas, 2024.
SANDERS, L. Trump’s Militarized Foreign Policy: The Venezuelan Experiment. Harvard Review of International Affairs, v. 31, n. 2, p. 122-134, 2024.




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