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Nearshoring no México: O país está se industrializando ou só montando?


Planta industrial moderna com linhas de produção e trabalhadores operando máquinas no México
Planta industrial moderna com linhas de produção e trabalhadores operando máquinas no México

Nas últimas décadas, o termo nearshoring ganhou força nas discussões sobre economia internacional e reorganização produtiva. Mas, afinal, o que significa esse conceito e por que ele impacta tanto as economias das Américas?

Em nosso olhar aqui do Bom dia, América!, queremos, neste artigo, apresentar uma nova perspectiva sobre os impactos do nearshoring no México e na América Latina. Trazemos dados inéditos, análise crítica e convidamos você, leitor exigente, a refletir junto conosco: somos realmente testemunhas de uma nova industrialização ou apenas de uma sofisticada “linha de montagem” deslocada para mais perto dos mercados consumidores?

Entendendo o conceito de nearshoring no México


O termo nearshoring designa o processo em que empresas transferem parte de suas operações, principalmente produtivas, para países próximos ao mercado principal de consumo. O objetivo principal é reduzir custos logísticos, enfrentar barreiras tarifárias e ganhar agilidade nas cadeias de suprimento.

Após a pandemia de Covid-19, observou-se uma aceleração desse movimento. A desorganização mundial das cadeias, escassez de insumos e os altos custos de transporte fizeram gigantes dos setores eletrônico, automotivo, farmacêutico e têxtil reverem suas estratégias. E os Estados Unidos, maiores consumidores do planeta, passaram a buscar parceiros produtivos geograficamente próximos.

No novo pano de fundo global, estar “perto” voltou a ser uma vantagem competitiva real.

Do ponto de vista socioeconômico, o nearshoring reacende debates sobre desenvolvimento industrial, geração de empregos e transferência de tecnologia. Mas será que, para o México e a América Latina, significa necessariamente progresso ou há nuances menos visíveis?


Por que o nearshoring cresceu após a pandemia?


Para entender o impulso recente do nearshoring, precisamos considerar três fatos marcantes do pós-2020:

  • Riscos e atrasos nas cadeias globais, muitas vezes concentradas na Ásia;

  • Busca por resiliência empresarial, diversificando fornecedores e geografias;

  • Choques geopolíticos, como disputas comerciais e sanções de grandes potências.

Essas pressões fizeram Estados Unidos e Europa reavaliarem a dependência da China e de outros polos distantes. Uma parte estratégica da indústria foi transferida para países mais próximos, especialmente na América Latina, Caribe e Leste Europeu.

O México emergiu, nesse contexto, como destino favorito de empresas norte-americanas. Sua localização geográfica é privilegiada. Leis comerciais como o T-MEC (Tratado entre México, Estados Unidos e Canadá) também oferecem bases sólidas para o fluxo de mercadorias, bens e capitais.

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O México: plataforma industrial ou país maquilador?


No universo da economia mexicana, o termo maquiladora carrega história e controvérsias. Desde o final do século XX, “maquiladoras” são fábricas que importam componentes, montam produtos e reexportam, gozando de incentivos fiscais e alfandegários. O crescimento desse modelo sempre suscitou debates: trata-se de industrialização genuína ou mera montagem?


Crescimento histórico das maquiladoras


Ao longo dos últimos 30 anos, as zonas fronteiriças do México atraíram milhares de fábricas, principalmente dos setores eletrônico, automotivo e têxtil. Dados do governo mexicano mostram que, em 1990, o número de trabalhadores em maquiladoras era de cerca de 500 mil. Em 2022, esse número ultrapassou 3,1 milhões (INEGI, 2023).

Perguntamos: esse crescimento foi acompanhado de maior complexidade tecnológica nacional?

Se, por um lado, nota-se um salto nas exportações, a estrutura ainda depende de insumos e tecnologias estrangeiras. Diversos analistas afirmam que falta ao México um ecossistema robusto de inovação e fornecedores nacionais fortes (OCDE, 2021).

Industrialização autêntica: há sinais?


Um traço que diferencia a industrialização genuína da simples montagem é a criação de valor local. Envolve pesquisa, desenvolvimento de soluções inéditas e crescimento da cadeia produtiva local.

  • O México conseguiu avanços pontuais em setores automotivo e de software.

  • O setor aeroespacial, por exemplo, vê parcerias para desenvolvimento de peças mais complexas.

  • Empresas globais investem em treinamento técnico e qualificação de fornecedores locais.

Mesmo assim, a dependência de componentes importados ainda é alta. Em 2023, 70% do valor exportado pela indústria automotiva mexicana era de produtos montados, com baixo conteúdo nacional segundo a própria Secretaria da Economia do país (2023).

Montamos muito, mas fabricamos pouco? Eis o dilema.

Questionamos, então, se o nearshoring está apenas atualizando a lógica da maquila ou se avança para algo mais complexo.


Investimento direto estrangeiro: onde o dinheiro está indo?


Para compreendermos a escala do nearshoring, analisamos os fluxos de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) no México e na América Latina nos últimos anos. Dados da UNCTAD (2023) revelam tendências marcantes:

  • O México concentrou cerca de US$ 36 bilhões em IDE em 2022, crescimento de 12% em relação ao ano anterior.

  • Do total, 48% destinou-se ao setor manufatureiro, principalmente automotivo, eletroeletrônico e alimentos.

  • Estados Unidos, Alemanha e Japão foram os maiores investidores.

  • O Brasil recebeu US$ 86 bilhões, mas com uma fatia menor voltada à indústria de transformação.

O México desponta como líder no recebimento de novos projetos industriais motivados pelo nearshoring. Boa parte do investimento estrangeiro mira na construção de plantas fabris próximas aos EUA e Canadá.

O gráfico a seguir (sugerimos visual para postagem web story) pode ilustrar as diferenças:

  • México: Crescimento robusto de IDE e ampliação do número de fábricas, especialmente nas zonas Norte.

  • Brasil: Maior IDE total, mas com foco em setores como energia, agronegócio e serviços.

Não basta atrair investimentos. O desafio está em transformar recursos em inovação e valor nacional.
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O México é, de fato, o maior parceiro comercial dos EUA?


O avanço do nearshoring fez o México ultrapassar a China e se consolidar como o principal parceiro comercial dos Estados Unidos em 2023 (U.S. Census Bureau, 2024).

Do ponto de vista das exportações, o país atingiu o patamar de US$ 475 bilhões em vendas aos EUA em 2023, o que representa 15% do total importado pelos americanos. O intercâmbio não se limita a produtos de baixo valor agregado; envolve desde veículos sofisticados até eletrônicos e equipamentos médicos.

No entanto, apesar desse protagonismo, avaliações de órgãos como a OCDE, Banco Mundial e Instituto Mexicano para Competitividade traçam um retrato desafiador:

  • Grande parte do crescimento se concentra em zonas industriais próximas à fronteira, perpetuando desigualdades regionais;

  • A integração produtiva se dá, em muitos casos, pela dependência de contratos e tecnologias vindos de matrizes estrangeiras;

  • Pouca inovação nacional nas cadeias exportadoras;

  • Limitações em infraestrutura e desenvolvimento tecnológico próprio.

Em nossas pesquisas no blog Bom dia, América!, percebemos que há um entusiasmo legítimo sobre os ganhos econômicos, mas também preocupação com o avanço limitado para setores industriais inovadores.

Estamos vendendo mais, mas estamos criando mais valor para o México?

Brasil: está pronto para competir?


Enquanto o México se destaca no radar do nearshoring, sempre paira a questão: por que o Brasil não recebe o mesmo impulso produtivo?

O país possui grandes vantagens naturais, dimensão continental e mercado interno com potencial, mas enfrenta desafios estruturais há décadas:

  • Burocracia tributária complexa, que dificulta o planejamento empresarial;

  • Infraestrutura logística deficiente, elevando custos de produção e exportação;

  • Dificuldade para negociar acordos comerciais que facilitem integração com mercados-chave;

  • Baixa inserção nas cadeias globais de valor nos setores de alta tecnologia.

Mesmo com intentos de modernização – como a discussão sobre a reforma tributária e investimentos em infraestrutura –, o Brasil ainda não apresenta as condições logísticas, fiscais e negociais que fazem do México um polo tão atraente.

Segundo relatório recente da CEPAL (2023), apesar dos esforços brasileiros, empresas estrangeiras seguem priorizando destinos com acesso facilitado ao mercado americano e estrutura logística já pronta.

Para quem tem interesse em entender o papel estratégico da CEPAL e outras organizações multilaterais, recomendamos a leitura do artigo O papel da CEPAL no desenvolvimento econômico e social do continente americano, aqui do nosso blog.


Benefícios e limitações do nearshoring para México e Brasil


No debate sobre nearshoring, é comum encontrarmos análises polarizadas. Por isso, propomos aqui um olhar transparente, crítico e ponderado:


O que o México ganha?


  • Aumento significativo no volume de exportações industriais;

  • Criação de milhares de empregos – principalmente em regiões fronteiriças;

  • Entrada massiva de capitais e atualização de processos produtivos.

No entanto, surgem desafios:

  • Risco de manter-se refém da lógica de montagem, sem avançar na cadeia global de valor;

  • Exposição elevada a mudanças geopolíticas e variações da demanda americana;

  • Concentração de desenvolvimento e renda em áreas já industrializadas.


E quanto ao Brasil?


  • Mantém forte fluxo de IDE em setores como agronegócio e energia;

  • Potencial para ser plataforma de exportação para mercados sul-americanos e africanos;

  • Busca por maior integração nas cadeias globais de valor.

Mas ainda enfrenta:

  • Burocracia e carga tributária elevadas;

  • Infraestrutura incompatível com produção global integrada;

  • Menor nível de acordos comerciais bilaterais e regionais.

No fim, a escolha entre montagem e industrialização profunda depende do projeto de país.

Perspectivas para o futuro: novas oportunidades ou riscos?


Para nós do Bom dia, América!, a reorganização global produtiva é inevitável, mas o destino – e os frutos desse processo – dependem das escolhas políticas e estratégicas de cada país.

Se o México conseguir ampliar sua base de fornecedores nacionais, investir em pesquisa e desenvolvimento e promover capacitação, poderá transformar o nearshoring em real salto produtivo, não apenas aumento de maquiladoras.

Para o Brasil, o caminho passa por melhorar o ambiente regulatório, investir em infraestrutura e buscar integração inteligente com cadeias globais. Sem isso, seremos espectadores dos bilhões que circulam na região, sem capturar seu real valor.

No universo das cadeias globais e dos grandes acordos, o protagonismo nacional exige planejamento de longo prazo. Sugerimos acompanhar a série de conteúdos do Bom dia, América! sobre economia das Américas para análises aprofundadas.

Entrevistas e dados exclusivos


Conversamos com especialistas em comércio internacional e representantes de setores industriais, que relatam:

  • Empresários mexicanos enxergam vantagens na proximidade com o mercado americano, mas destacam necessidade de políticas industriais de médio e longo prazo.

  • Consultores em inovação alertam para o risco do “armadilhamento produtivo”: montar, montar, montar, sem inovar.

  • Percorrem-se discussões sobre incentivos fiscais, transferência tecnológica real e formação de mão de obra altamente qualificada.

“Afinal, uma fábrica que só monta não cria futuro. Inovar é construir autonomia.”

Para quem busca entender as nuances das relações entre EUA, China e América Latina, recomendamos também a leitura do post EUA vs China: disputa, infraestrutura e impacto econômico, essencial para ampliar a compreensão sobre realocações produtivas.


Como o nearshoring afeta o cotidiano das pessoas?


É fácil esquecer que as grandes decisões macroeconômicas têm efeitos diretos no dia a dia. No caso do México, o nearshoring impulsionou a criação de empregos técnicos e administrativos, elevando o padrão salarial em regiões industriais.

No entanto, surgem desafios sociais. O crescimento acelerado pressiona serviços urbanos, aumenta custos habitacionais e gera novas desigualdades.

Fica clara a importância de combinar políticas industriais a políticas sociais, urbanas e de inovação. O desenvolvimento sustentável só ocorre se há integração entre setores.


Recomendações para quem quer saber mais e se atualizar


Para leitores do Bom dia, América! interessados em se aprofundar em temas de comércio, inovação e cadeias globais, sugerimos:

Para quem se interessa pela transformação digital e pelo avanço das startups na América Latina, indicamos nosso conteúdo interno O avanço das startups na América Latina.


O papel do conhecimento e da análise crítica


O nearshoring não é um caminho automático para o sucesso. Nós, do Bom dia, América!, defendemos que apenas o conhecimento, o debate público e a análise crítica podem garantir que México, Brasil e toda a América Latina se beneficiem desses novos fluxos globais.

Estudiosos, jornalistas, gestores públicos e privados devem atuar em conjunto para garantir que o nearshoring signifique desenvolvimento industrial de verdade e não somente crescimento de zonas francas descoladas do país real.

Para quem quer ampliar referências, sugerimos o texto O soft power dos EUA: a força invisível que molda o mundo, pertinente ao pensar a influência econômica e política no continente.


Conclusão


O nearshoring representa uma oportunidade histórica para o México e para toda a América Latina. Contudo, como observamos em nossas pesquisas e análises no Bom dia, América!, a capacidade de transformar oportunidades em real desenvolvimento depende, antes de tudo, de como cada país estrutura suas políticas industriais, sociais e educacionais.

No fim, a diferença entre industrialização autêntica e montagem sofisticada estará no grau de autonomia, inovação e valor agregado que as nações conseguirem construir localmente.

Apenas o debate informado, a reflexão crítica e o acompanhamento qualificado dos fatos podem ajudar nossos países a construir rumos sólidos. Acompanhe o Bom dia, América!, inscreva-se em nossa newsletter e contribua para que possamos seguir produzindo análises de valor sobre temas decisivos para o presente e o futuro do nosso continente.

Junte-se a nós nessa missão de compreender, debater e transformar as Américas. Apoie o Bom dia, América! e fique sempre à frente no seu conhecimento sobre economia e política continental!


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