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Colapso Venezuelano? Os Riscos Reais para o Brasil e América do Sul


crise-venezuela-fronteira-risco
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Nos últimos anos, temos observado a crise venezuelana ampliar seus tentáculos para além das fronteiras do país. O assunto já é recorrente aqui no Bom dia, América!, e nestas linhas abriremos nossa análise em busca de clareza sobre os riscos que o colapso da Venezuela representa tanto para o Brasil quanto para toda a América do Sul. Numa era em que a informação circula rápido e a busca por respostas concretas só cresce, vale caminharmos juntos nesta reflexão.

Como a crise chegou a este ponto?


Ao pensar sobre a Venezuela, dificilmente conseguimos separar as crises política, social e econômica dos fatores externos que intensificaram seu colapso. O país já foi símbolo de prosperidade petrolífera e influência regional, mas, pouco a pouco, caiu no abismo das disputas internas, declínio institucional e isolamento mundial. O governo de Nicolás Maduro, que sucedeu Hugo Chávez em 2013, enfrenta há anos embargos internacionais, queda brutal na produção de petróleo - até 80% desde 2014 - e fuga maciça de cidadãos em busca de sobrevivência.

O relatório da CEPAL de 2022 indica que mais de 5 milhões de venezuelanos abandonaram o país entre 2015 e 2021, espalhando-se principalmente por Colômbia, Peru, Equador e Brasil. O mesmo documento vincula o fenômeno a colapsos nos serviços públicos, hiperinflação, desemprego e insegurança alimentar crescentesCEPAL, 2022.

Crise na Venezuela-Ruas vazias
Crise na Venezuela-Ruas vazias

Do outro lado do oceano, potências como Estados Unidos e União Europeia intensificaram sanções financeiras e restrições à exportação de petróleo, em uma tentativa de pressionar o regime chavista. Entretanto, aliados estratégicos como China, Rússia, Irã e Cuba reforçaram o apoio político e econômico a Maduro, com interesses bem claros – petróleo, influência geopolítica e parcerias militares.


As múltiplas faces do colapso venezuelano


O risco de colapso na Venezuela não é só teórico. Em nossa visão, ele se apresenta em camadas. Vejamos:

  • Fragilidade institucional e risco de rompimento das Forças Armadas;

  • Migração em massa, com potencial de desestabilização regional;

  • Projeção de organizações criminosas transnacionais, como o grupo Tren de Aragua;

  • Avanço de milícias armadas autônomas, conhecidas como “colectivos” chavistas;

  • Disputa de interesses entre grandes potências e risco de conflito indireto.

Esses vetores, sozinhos, já seriam graves. Mas a combinação deles cria um ambiente explosivo, difícil de prever e potencialmente devastador para os países vizinhos.


Sanções, pressão internacional e o papel dos EUA


Desde 2017, os Estados Unidos expandiram sanções sobre o governo e empresas venezuelanas. Isso incluiu restrições ao comércio de petróleo, congelamento de ativos, exclusão do sistema financeiro internacional e até operações de inteligência em território próximo. Esta escalada chegou a um novo nível em 2023, quando os EUA classificaram o grupo Tren de Aragua como organização terrorista, autorizando ações mais incisivas contra seus membros.

"Quando o crime transnacional cruza fronteiras, os riscos se tornam regionais."

Analistas apontam que a classificação de grupos como o Tren de Aragua como terroristas pode abrir portas para intervenções militares pontuais ou operações coordenadas, inclusive em países vizinhos, sob o argumento de proteger a segurança hemisférica.

Presença naval norte-americana no Caribe cerca a Venezuela e serve como alerta de que escaladas não estão descartadas, caso haja ruptura abrupta do regime de Maduro.


O crime organizado transnacional: do Tren de Aragua aos “colectivos”


A erosão do Estado abriu espaço para organizações como o Tren de Aragua, nascido nas prisões da Venezuela e já presente de forma preocupante no Brasil, Peru, Colômbia e outros vizinhos. Segundo autoridades e analistas locais, esse grupo movimenta receitas bilionárias com drogas, tráfico humano e crimes financeiros, aplicando a fórmula do controle de territórios e infiltração de corrupção em órgãos públicos.

Paralelamente, operam os chamados “colectivos”, milícias urbanas armadas que juram lealdade aos interesses chavistas, mas que agem de forma independente em muitas regiões. Essas milícias podem, dependendo do desfecho da crise, se transformarem em oposição feroz ao novo poder ou disputarem zonas ricas em recursos naturais.

No interior e nas franjas urbanas, a presença da guerrilha colombiana ELN cria ainda mais instabilidade, montando “fronteiras invisíveis” e facilitando fluxos ilícitos.

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milicia-Tren-Aragua-armas-Venezuela

Algumas estimativas sugerem que, em áreas-chave da Venezuela, o poder real está fragmentado entre milícias, facções criminosas e autoridades oficiais, tornando a gestão do território ainda mais complexaFUNAG.


Forças armadas frágeis e ameaças à integridade territorial


O Ministério da Defesa do Brasil já alertou em comunicado oficial sobre a fragilidade das Forças Armadas venezuelanas e o risco crescente de deserções, rachaduras internas e alianças oportunistasveja comunicado. Se houver uma saída improvável, mas não impossível, de Maduro de forma abrupta, pode-se repetir o cenário do Iraque pós-invasão: o exército some, as milícias ocupam o vácuo e o território se fragmenta em zonas controladas por diferentes atores.

A ausência de uma força legítima e coesa para manter a ordem pode ser a porta de entrada para uma guerra civil regionalizada.

Para os países vizinhos, inclusive o Brasil, aumenta significativamente o risco de que regiões fronteiriças fiquem totalmente sem controle, funcionando como corredores de migração, tráfico e, possivelmente, bases para novos confrontos armados.


Paralelos e diferenças: Venezuela e o Iraque pós-invasão


Sempre que o colapso estatal é tema, vem à tona o exemplo do Iraque após 2003. E há razões legítimas para este paralelo.

  • Estado fragilizado;

  • Múltiplos grupos armados em disputa;

  • Recursos naturais estratégicos sob controle volátil;

  • Disputa por influência entre grandes potências internacionais.

Mas a Venezuela tem algumas diferenças fundamentais:

  • Não existe divisão sectária (sunita, xiita, curda) clara como no Iraque;

  • A infraestrutura estatal, apesar de corroída, não foi completamente dissolvida;

  • Potências externas têm interesse direto e divulgado na manutenção da estabilidade (especialmente China e Cuba);

  • O terreno geográfico é menos hostil e permite maior intervenção diplomática.

"A Venezuela ensina: a fragmentação do poder não respeita fronteiras."

Ainda que não haja equivalência perfeita, o fantasma do caos iraquiano paira sobre Caracas caso não haja uma transição coordenada e pactuada.


Geopolítica: China, Rússia, Irã e Cuba em cena


O cenário venezuelano é, também, uma disputa de influência global. A China investiu dezenas de bilhões de dólares em empréstimos, infraestrutura e acordos petrolíferos. Seu objetivo parece ser garantir fornecimento energético e estabilidade interna. Já a Rússia fornece armamentos, apoio estratégico e cobertura diplomática internacional, dificultando sanções mais duras ou intervenções armadas.

mapa-influencias-geopoliticas-venezuela
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Cuba mantém presença histórica no setor de inteligência e saúde, além de fornecer treinamento para as milícias armadas. Já o Irã, embora menos visível, atua em laços clandestinos, favorecendo o envio de recursos e assessoria para grupos fiéis a MaduroAnálise da FUNAG.

Com tantos interesses externos em disputa, qualquer ruptura interna se transforma rapidamente em um jogo maior, onde o risco de conflitos indiretos, como os da Guerra Fria, cresce a cada dia.

Em caso de queda abrupta do atual regime, não está descartado o surgimento de “frentes” apoiadas por potências opostas, ampliando a confusão e tornando o cenário imprevisível.


Desintegração do estado: caminhos para o caos


Nos estudos que tratamos aqui no Bom dia, América!, destacamos que a desintegração venezuelana pode ser acelerada por fatores que agem quase em sincronia:

  1. Vácuo de autoridade em Caracas ou nas regiões-chave, dando margem para disputas locais;

  2. Avanço de milícias e grupos armados sobre áreas com recursos estratégicos (mineração, rotas de tráfico, fronteiras agrícolas);

  3. Fragmentação das Forças Armadas, divididas entre lealdade a Maduro, a grupos de oposição ou a interesses próprios regionais;

  4. Perda do controle central sobre fronteiras, facilitando atuações do crime transnacional;

  5. Entrada de atores externos disputando o apoio de facções locais ou garantindo posições em território venezuelano;

  6. Agravamento da crise econômica e da fragmentação social, culminando em prolongada guerra civil, regionalizada e devastadora.

O resultado, caso nada seja feito, é a formação de enclaves armados e instáveis, cada um com possíveis protetores internacionais e agenda própria.


O papel do pacto interno e da ação internacional


Ainda há esperança? Em nossa avaliação, sim, mas depende de fatores nada triviais. Uma transição menos traumática exige um pacto entre elites políticas, civis e militares da Venezuela. Sem isso, qualquer tentativa de mudança arrisca-se a perder sustentação, como peças de dominó caindo sucessivamente.

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O envolvimento de atores externos é inevitável e pode ser positivo se houver coordenação. China e Rússia, por exemplo, têm meios e motivações para buscar estabilidade – talvez dividindo custos e lucros com eventuais potências ocidentais. Alguma missão multinacional, chancelada pela ONU ou por acordo regional, poderia funcionar como “contenção” do caos nos primeiros meses, caso aconteça a ruptura. Mas, principalmente, é indispensável controle sobre forças armadas paralelas e redes criminosas. Sem isso, qualquer paz será armadilha.

Um exemplo: no Iraque, a dissolução do exército criou espaço para o surgimento do Estado Islâmico e outras milícias, algo que muitos temem ver adaptado ao contexto venezuelano.


Impactos regionais: a tempestade além da fronteira


O colapso venezuelano terá efeitos cascata sobre a América do Sul. E já percebemos parte dessas consequências: crescimento explosivo do fluxo migratório, expansão de organizações criminosas a partir da Venezuela, aumento de tensões nas fronteiras e, para muitos países, risco de precisar tomar partido em uma crise que pode se prolongar por anos.

  • Migração massiva: só para o Brasil, vieram cerca de 260 mil venezuelanos entre 2015 e 2020, concentrados em Roraima e Amazonas. O estudo do IPEA demonstra os efeitos concretos dessa chegada sobre serviços públicos, saúde, educação e infraestrutura localveja estudo do IPEA.

  • Expansão do crime transnacional: grupos como o Tren de Aragua já estão enraizados em comunidades periféricas dessas regiões, disputando o controle de rotas de tráfico e lavagem de dinheiro;

  • Instabilidade institucional nas fronteiras: forças policiais e militares são obrigadas a atuar em situações cada vez mais fora do convencional, por vezes extrapolando suas capacidades;

  • Potencial de precedentes perigosos: intervenção estrangeira pode se tornar regra, minando princípios históricos de soberania e autodeterminação.

  • Impacto na economia: além dos reflexos diretos do aumento populacional, há o desafio do aumento de gastos públicos, pressão sobre empregos e prejuízos a cadeias produtivas.

Para nós, leitores e analistas do Bom dia, América!, a principal lição é que as decisões adotadas agora, tanto por governos como pela sociedade civil, determinarão se a crise será contida ou agravada.


O caso do Brasil: fronteira quente, sociedade sob tensão


O impacto da crise venezuelana no Brasil, especialmente nos estados de Roraima e Amazonas, é real e cotidiano. Vemos chegada diária de migrantes, aumento do fluxo em hospitais, escolas e abrigos, além de episódios de violência associados à atuação de criminosos transnacionais. A nota do Ministério das Relações Exteriores do Brasil reconhece abertamente o risco dessas dinâmicas para a segurança regionalveja nota do Itamaraty.

"A fronteira entre Brasil e Venezuela já não é apenas uma linha no mapa, mas um corredor de riscos e esperança."
  • Roraima já abriga cerca de 10% da população formada por migrantes venezuelanos, aumentando pressões sociais e raciais.

  • Organizações criminosas venezuelanas participam de redes de tráfico e extorsão em cidades brasileiras, obrigando o avanço de operações integradas entre polícias federais e estaduais.

  • O controle da soberania nacional nas áreas de fronteira precisa envolver não só forças de segurança, mas também políticas de integração, direitos humanos e cooperação internacional.

  • A instabilidade pode trazer desgaste político ao Brasil no cenário internacional, pressionando governos a assumir posições mais assertivas e difíceis de conciliar.

Se a crise migratória crescer, aumentam também os desafios econômicos, sociais e de segurança, dando escala àquilo que muitos consideravam “problema alheio”.


Possíveis caminhos: desastre ou reconstrução?


Não há fórmula pronta. O colapso do Estado venezuelano pode tomar diversas formas, da fragmentação lenta até a implosão rápida. O único consenso é que a ausência de coordenação deixa a porta aberta para o caos.

  • Pacto nacional entre atores civis, militares e políticos é imprescindível;

  • Participação real e transparente de potências externas, com objetivos claros de estabilização;

  • Missão internacional multilateral, capaz de proteger populações locais e evitar formação de “zonas sem lei”;

  • Combate efetivo ao crime organizado, com integração de inteligência regional;

  • Atenção humanitária e apoio à infraestrutura básica, para aliviar pressões migratórias e sociais.

Alguns desses caminhos já começam a ser trilhados, outros ainda ficam à margem do debate público. Como explicamos neste artigo e em outras análises do Bom dia, América!, será fundamental que o Brasil e seus parceiros regionais estejam preparados para agir de forma rápida, pragmática e inteligente.

Para quem se interessa por aprofundamento, sugerimos a leitura de obras e cursos que tratam de cenários de crise, geopolítica e segurança internacional. Deixamos abaixo três indicações alinhadas ao tema deste artigo:


Considerações finais e convite à reflexão


Ao longo destas mais de duas mil palavras, buscamos dar luz ao momento crítico vivido pela Venezuela e seus reflexos sobre o continente. Vimos que existem similitudes com outras crises globais, mas também particularidades venezuelanas que tornam o destino incerto. Se a transição for abrupta e sem coordenação, o caos é provável. Se for pactuada entre as partes – com envolvimento da comunidade internacional e combate real ao crime organizado –, há espaço para uma reconstrução.

No Bom dia, América!, nosso objetivo é esclarecer a complexidade dos fatos e convidar à ação consciente. A história da Venezuela mostra que ninguém está isolado em um mundo interligado. O colapso de um vizinho é, cedo ou tarde, também o nosso desafio.

Se este tema faz sentido para você, convidamos a buscar mais informação, apoiar aqui o Bom dia, América! e participar da nossa newsletter para receber novos artigos, análises e oportunidades de debate direto conosco. O futuro da América do Sul está sendo escrito agora – e toda voz informada conta.

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